A endometriose e a síndrome do intestino irritável (SII) são dois problemas muito comuns e que afetam a qualidade de vida de muitas pacientes. Como ambas apresentam sintomas semelhantes – inclusive de dor abdominal e pélvica –, além de variados e inespecíficos, o diagnóstico e a diferenciação entre elas pode ser bastante difícil.
As mulheres com diagnóstico de endometriose apresentam 2,5 mais chances de serem diagnosticadas também com a SII, se compararmos com a população geral. Esse fato deve ser levado em conta por todos os profissionais de saúde que tratam pacientes com endometriose.
Em outras palavras, é essencial que as pacientes possam contar com uma equipe multidisciplinar, formada por ginecologistas, coloproctologistas e, em casos específicos, gastroenterologistas e nutricionistas.
Com todo esse amparo, é frequente observar melhora dos sintomas de dores durante o período menstrual em mulheres que alteram a dieta, visando amenizar a SII.
Endometriose e síndrome do intestino irritável são inflamações
Ambas as doenças são caracterizadas por um estado inflamatório crônico. Com isso, a mulher com endometriose e síndrome do intestino irritável tem o quadro clínico ainda mais intensificado.
Entenda a síndrome do intestino irritável
A síndrome do intestino irritável é uma doença funcional, ou seja, não é causada por uma lesão orgânica detectável. Portanto, seu diagnóstico pode ser feito pelo médico ao associar a dor abdominal e as alterações dos hábitos intestinais ou da defecação (evacuação).
Existem critérios bem definidos para diagnosticar a síndrome, mas alguns pacientes apresentam sintomas inespecíficos, o que faz com que outras doenças precisem ser excluídas antes que a SII seja identificada.
Assim sendo, estamos falando de uma síndrome de evolução crônica e que parece estar envolvida com um processo inflamatório crônico, associado a questões como:
Disbiose (alteração da microbiota intestinal – as bactérias do “bem”);
Absorção intestinal alterada;
Motilidade do intestino (funcionamento geral do órgão);
Disfunções imunitárias locais e celulares (alterações na imunidade).
Tratamento de SII depende do caso
Não existem testes específicos para o diagnóstico da síndrome do intestino irritável. Em geral, na avaliação do paciente devemos considerar um quadro de desconforto abdominal que ocorre pelo menos uma vez por semana, por um período de três meses dentro do último ano.
Além desse sinal, é preciso observar se há alterações do funcionamento intestinal ou da defecação.
Então, quando existem sinais e sintomas de alerta, ou que saem do escopo da síndrome, o médico deverá solicitar exames para excluir certas doenças. Essas avaliações incluem endoscopia, colonoscopia, tomografia e testes hematológicos e coprológicos – ou seja, exames de sangue e de fezes.
Diagnosticada, a SII deve ser tratada de forma individualizada. O tratamento é voltado para as manifestações, isto é, os sintomas, por meio de mudanças na alimentação e uso de medicamentos específicos.
Entenda a endometriose
Já a endometriose é uma doença inflamatória hormônio-dependente e que está associada à dor pélvica, bem como perda significativa da qualidade de vida, infertilidade e, em alguns casos, complicações de tratamento cirúrgico.
Falei mais especificamente sobre endometriose pélvica neste outro post, caso queira conferir.
Como a endometriose e a SII estão associadas a um estado pró-inflamatório crônico, além de compartilharem questões muito associadas à origem da inflamação, a associação entre essas doenças parece se alinhar com os sintomas mais frequentes e intensos nas pacientes.
4 semelhanças entre endometriose e SII:
1. Instabilidade dos mastócitos
Os mastócitos são células de grande importância no processo inflamatório, que liberam várias substâncias pró-inflamatórias quando o organismo sofre uma agressão. Essa ação é essencial para a defesa e a manutenção da vida.
Porém, nos casos da endometriose e da síndrome do intestino irritável, essas células ficam mais instáveis, liberando tais moléculas sem determinada provocação, o que induz a inflamação.
2. Inflamação neurogênica
Seguindo a mesma linha do ponto anterior, a inflamação que é originada pela liberação desses “mediadores inflamatórios” – como os mastócitos – nas terminações nervosas de nossos órgãos acaba por ativar o processo irritativo.
Em outras palavras, é essa ação dos mediadores da inflamação que induz os sintomas, como a dor.
Existe evidência na literatura médica de que, tanto na endometriose quanto na SII, as vias de dor ficam mais ativas. Além disso, a quantidade de terminações nervosas fica aumentada, e o limiar de início da dor é diminuído.
3. Disbiose (alterações nas bactérias intestinais)
A microbiota humana é o conjunto de todos os micro-organismos e vírus que residem em um hospedeiro ou são parte dele. A microbiota intestinal tem uma importância grande no funcionamento do corpo, nos processos metabólicos e na resposta imunológica.
Em pacientes com SII, já foi identificada uma mudança de microbiota, e a intensidade dessa mudança está associada à gravidade dos sintomas.
Em estudos com animais, foi demonstrado que, nos casos de endometriose, também há mais chances de redução na quantidade de lactobacilos, bem como um aumento de bactérias Gram-negativas. Outro ponto observado foi a maior incidência de inflamação intestinal nesses espécimes.
4. Alteração da permeabilidade intestinal
O fato de a barreira mucosa do intestino ficar mais permeável aumenta o risco de que substâncias nocivas ultrapassem a parede intestinal e cheguem à corrente sanguínea. É justamente isso que poderia dar início ao processo pró-inflamatório.
Esse quadro de mudança na permeabilidade intestinal é observado em casos de disbiose, SII e endometriose. Além disso, o fato de as pacientes apresentarem maior consumo de medicações anti-inflamatórias para o tratamento da dor parece contribuir para o dano dessa barreira do intestino.
Relações entre ambas são claras
Considerando os fatores apresentados ao longo do texto, é possível observar que há uma relação entre os casos de síndrome do intestino irritável em pacientes com endometriose. Já a combinação dessas duas doenças causa mais sofrimento às mulheres.
É importante manter um alto nível de atenção aos sintomas, uma vez que podem estar “escondidos” ou “mascarados”, o que torna o diagnóstico difícil. Mas o tratamento combinado das duas questões melhora muito a condição clínica e, assim, é possível que, em muitos casos, a cirurgia possa ser evitada.
De toda forma, vamos lembrar que todas as informações sobre endometriose e síndrome do intestino irritável estão em contínuo estudo. Portanto, novas evidências podem surgir com o maior conhecimento das doenças. Em medicina, a evolução é a regra – ou seja, o conteúdo deste post não é definitivo.
Para quem quiser aprofundar mais no assunto, indico a bibliografia abaixo. Como é uma literatura especializada e voltada para médicos, ela pode não ser bem compreendida por todos. Se quiser esclarecer dúvidas, é só entrar em contato comigo!
Cuide-se!
Referências bibliográficas: